sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

           Acordei um pouco mais tarde, assim permitia-me o dia de hoje, o meu trabalho. O dia estava nublado, esquentei a água, tomei meu chá de camomila, e fui para o ponto de ônibus. Ao longe, nuvens brancas, cinzas e negras... O céu estava lindo. Amo quando o dia está assim, assim como também, acho lindo quando o céu está todo azul, sem nuvem nenhuma, o sol a brilhar intensamente. Não tenho preferências, aproveito o que cada dia me apresenta... E hoje, o desenho das nuvens era sensacional. Uma sensação de paz profunda, em uma semana de mortes dentro de mim. Tenho tomado decisões, para comigo mesmo, que têm feito surgir lágrimas, mas não lágrimas doloridas, e sim, a expulsar de mim velhas visões que já não cabiam ao meu eterno novo ser. É que, para toda ressurreição, tem que haver mortes... E tenho sido um assassino de coisas que eu ainda não percebia, que ia na contramão do que sou. A vida é assim mesmo, um ensinamento constante. Estamos sempre pegando uma onda, que se acaba ao raso do mar, para depois voltar, e pegar outra onda, e mais outra, e mais outra... Na vida, não existe uma onda eterna, uma pororoca, e mesmo a pororoca, em algum momento, ela se desfaz, para depois se refazer novamente.
           No ônibus, a caminho do trabalho, fui observando o caminho, ainda um pouco novo, que tenho feito há treze dias... Acabei de me mudar, agora não divido quarto com ninguém, agora moro em um lugar mais distante do centro da cidade, mais barato, e mais perto do trabalho. Um quarto bem pequeno, que mal cabe uma cama de solteiro, uma mesa pequena e a tábua de passar, que deixo aberta para aproveitar e por algumas coisas em cima... Dias de amor com minha solidão, de aprendizados, de viagens sem fim, de leituras novas mesmo com livros que já li... Coração cada vez mais descoberto, novas descobertas... Novas portas abertas, tenho andado absorto, tenho absorvido vida em doses cavalares, e o dia nublado hoje me fez companhia... Que dia lindo. A refletir, dentro do ônibus, pensava em minhas decisões... A sensação, que não consigo descrevê-la, me abraçava... Entre meus pensamentos, como sempre, a dúvida, de pensar se estou no caminho certo ou não. Mas os sinais começam a aparecer, a lágrima começa a escorrer, e meus pensamentos correm para longe... Aí a paz se apresenta e, em minha boca, um sorriso digno de um momento como este.
             Cheguei ainda cedo para almoçar, e sentei na praça, próximo ao restaurante barato que tenho almoçado todos os dias. Fiquei a observar o movimento das pessoas... Eu estava longe e, ao mesmo tempo, estava ali, exatamente bem ali, sem nada para levar-me a um lugar que não é meu. Divertia-me vendo as pessoas que passavam apressadas, outras devagar, umas rindo, outras reclamando, outras a sentar na praça, estudantes, senhores, senhoras e trabalhadores. Quinze minutos depois, levantei-me e fui para o restaurante. Ao entrar, pego a bandeja, meu prato e, antes mesmo de me servir, ouço alguém cantando. Logo procuro de onde vem a voz, e vejo um sujeito encostado no balcão, como se cantasse para a caixa, enquanto esta trabalhava. A cena seria normal, apesar de não ser comum, se não fosse pela música. Eu já ouvia essa música bastante, como um hino, pelo que a letra representa. Meses depois, quando cheguei de viagem, fui em um aniversário, que estava rolando música ao vivo. Cantando e tocando, meu primeiro professor de violão... Eis que ele canta essa música. Fiz sinal de positivo para ele, ao que ele sorriu e cumprimentou-me com a cabeça. E o tempo foi passando, e essa música, por acaso (ou não), surgiu em certos momentos, como posso dizer... de arrepiar. Hoje, depois dessa semana de mortes, ela surge dessa maneira, inusitada... Em um lugar não propício para tal. De arrepiar... Em voz alta, o sujeito cantava Benito de Paula: "Tudo está no seu lugar... Graças a Deus... Graças a Deus...". Era o que eu precisava ouvir. Mais uma vez, instantaneamente, a lágrima escorreu. Sim, tudo está no seu lugar. Que venha os próximos obstáculos e as novas dúvidas. Tenho sentido uma paz imensa, tal qual quando eu estava viajando com minha Clarice. Que vida louca, que vida linda, que vida doída, que vida de paz, que vida doida. Novas ondas virão, eu sei, aliás, estão vindo, e tudo que eu mais gosto, tudo que mais amo fazer, é surfar no mar da vida. Tudo está em seu lugar... Que venham as mortes... Meu luto já não é triste, não, já calejou, e sim, uma preparação, do que a nova vida pode me dar.

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