sábado, 1 de março de 2014

           Saio do trabalho às 19:00h, uma hora depois do horário que era para sair... Normal, os patrões não estão nem aí. Por enquanto, é isso... Vou levando. Ao menos, estou em um lugar que gosto de trabalhar, apesar de ser cansativo. Sem problemas. Estou adorando voltar à experiência da rotina... É sempre bom ir e vir. Trabalhei no banco, cansei-me, pedi demissão, viajei sem rumo, voltei para casa, publiquei um livro, divulguei-o, passei um tempo na casa de minha mãe, depois decidir vir para São Paulo, "tentar a vida", recomeçando do zero, do nada, usando meu cheque especial. Consegui um emprego, e agora estou de volta á velha vida do "dia-a-dia". Claro, não sou o mesmo que trabalhou no banco. E o que virá depois, só o depois pode dizer... Só posso falar do hoje. Aprendi, ou melhor, estou aprendendo, a viver um dia de cada vez.
          Ao dirigir-me ao terminal de ônibus da Lapa, nada de chuva, apesar do céu imparcialmente nublado... Estava todo coberto de nuvens. Depois que o ônibus saiu, poucos minutos depois, começou a tempestade. Chuva, raios e trovões... E eu, como tem sido de uns tempos para cá, olhar distante, observando cada detalhe perto de mim. No caminho, lembrei-me de quando era criança, de quando meus pais viajavam e a cada lugar novo que chegávamos, eu ficava a admirar a imensidão da cidade grande, as luzes, o movimento, as coisas acontecendo, as mil e uma possibilidades... Isso me fascinava... Mas depois que cresci, esse júbilo foi se perdendo, percebi que tudo isso tinha um preço: o distanciamento das pessoas. Quanto mais gente espremido em um lugar, maior a solidão. Só que hoje, de uns tempos para cá, tenho mudado minha visão... Passo indiferente à indiferença das pessoas. Aos poucos, aquele júbilo que tanto fazia cócegas em minha alma, volta a aparecer. Ao passar por ruas enquanto a chuva torrencial caía, ficava imaginando, como quando criança, onde aquele caminho ia dar, para onde ia aquele carro que passava pelo caminho e que entrava em uma outra rua, o que faziam as pessoas dentro daqueles quartos e salas, aquelas luzes acesas dos grandes prédios que enfeitam a cidade, mais uma vez, indiferente ao que isso possa trazer de ruim ou de regressivo para a vida humana... Isso não é um problema meu, que está ao meu alcance. O que posso fazer, eu faço, eu luto... Fora isso, a vida é assim, não tem jeito, e volto a ser criança. Quando pequeno, não me preocupava com essas coisas... Não sou o Deus que pode dar um jeito nos problemas, como gostariam as pessoas que um Deus fizesse. Tudo que tenho que preocupar-me, é comigo mesmo, pois só assim, ao me conhecer melhor, posso conhecer melhor o outro, e posso mudar o mundo, dentro de minhas possibilidades... Só sei que essa "viagem" de ônibus, de quase trinta minutos, para casa, trouxe à tona velhos sentimentos de quando eu era criança, de quando eu viajava com meus pais... E é justamente o que venho buscando: minha essência.
          Depois de cruzar a ponte, por cima da marginal Pinheiros, desço no primeiro ponto, meu destino final. Ainda chovia forte. Bem em frente, um boteco. Um lugar que já parei duas vezes para pedir duas doses de 51, em dois momentos diferentes. O lugar digno de ser chamado "pé sujo". Enquanto vinha no ônibus, estava pensando em comprar um vinho barato, o velho Dom Bosco, para me fazer companhia nessa noite chuvosa de sábado. Como ainda chovia forte e tinha que esperar a chuva passar, entrei no bar e pedi a velha dose de 51. Ao entrar, uma mulher, em pé, encostada no balcão, olhou-me com um olhar torto, mas não um olhar torto como se me estranhasse, e sim, por estar bêbada. Passei por ela sorrindo, por dentro, sem julgamentos, e fiz meu pedido. "Pura?", perguntou-me o dono do bar... "Põe um limãozinho, por favor". Quando procurei minhas moedas, no bolso de minha calça, em minha mochila e na minha carteira, vi que tinha exatamente R$ 2,00, o preço da dose. Queria também fumar um cigarro, já que não tenho fumado durante o dia. Tenho fumado dois cigarros, apenas à noite, um resto de tabaco que ainda tenho... Tenho economizado, tanto dinheiro, como meus pulmões. Mostrando minhas duas únicas notas de 50 reais, perguntei ao dono do bar se ele me venderia um cigarro para pagar depois, com um certo cuidado, já que ele só tinha me visto duas vezes, ainda assim, em intervalos distantes. Sem pestanejar, pegou o cigarro do maço, e entregou-me. Pensei que se fosse um bar chique, desconfiariam de mim e não me venderiam. Que coisa linda a simplicidade. Peguei minha dose, dirigi-me à porta do estabelecimento para fumar meu cigarro e, quando passei pela mulher que me olhou torto, esta dormia em pé, ora seu corpo indo para frente, ora seu corpo indo para trás, a encostar no balcão. Observei também os outro frequentadores do bar. A maioria com copo de cachaça nas mãos. Por um instante, parecia-me que era proibido entrar "são". A maioria cambaleava. Por sorte, ou por azar, o karaokê estava desligado... Podia divertir-me ainda mais, ao vê-los cantar, sem se importarem com afinações e outras teorias que tanto me chateiam. Acendi meu cigarro, e comecei, como sempre, a viajar... Antes, uma bela "golada" em minha dose.
          Na minha frente, um velho Monza, carro que meus pais tiveram há tantos anos atrás, e que me orgulhava muito, já que ainda era criança e ainda era tomado pela vaidade. Na época, como os dois eram funcionários do Banco do Brasil, era um carro e tanto... Carro que viajamos por aí... Carro que, hoje, não passa de um passado distante. Carro que eu grudava no vidro de trás,a observar as imagens novas que se apresentavam para mim. Ao meu lado, enquanto um sujeito esperava o ônibus, também se esquivando da chuva, outro chega perto, também a fumar um cigarro, e começam a conversar. Logo a conversa se desenvolve, assim mesmo, rápido e fácil, a simplicidade dos bêbados. Do outro lado, um sujeito, talvez o mais bêbado do estabelecimento, pedia desculpas a um senhor, que também pedia desculpas ao jovem. Não sei o que aconteceu, mas o jovem dizia que era ignorante mesmo, que era o jeito dele. O senhor, sabiamente, que parecia-me não ter culpa nenhuma de nada, apenas relevava. Percebi que a ignorância desse jovem era apenas álcool demais em sua mente. O senhor, sabiamente, apenas se divertia, assim como eu... Ele também, com seu copo de cachaça na mão. Tomei outro gole de minha dose, caprichada. Pensei novamente que se fosse em um bar chique, a dose viria "miada", pequena, para economizarem.
          Entre um trago e outro, passa um avião ao longe, ainda debaixo da chuva torrencial. Lembrei do meu medo de viajar de avião, que hoje não tenho mais, depois que passei a ver a vida e, sobretudo, a morte, de uma maneira diferente. Antes, só viajava bêbado... Hoje, sem uma gota de álcool, viajo tranquilamente... A vida (e a morte), é muito mais do que nos ensinam. Continuando minha viagem, depois de outro trago, vendo o avião a flutuar no ar, lembrei de um cidadão que eu acho foda, que tenho uma admiração sem fim, Santos Dumont. Esse cara, merece um parágrafo só para ele, só depois de muitos anos vim conhecê-lo além do "pai da aviação"... Ela foi muito mais do que isso.
          Um belo dia, quando ainda morava em São Paulo, fui para sala e liguei a TV. Zapeando pelos canais, estava passando um documentário sobre esse respeitável cidadão. Primeiramente, sorri de satisfação, quando vi que, um dia, enquanto ele estava a desenvolver seus dirigíveis, um sujeito muito rico desafiou quem seria capaz de levantar voo, dar a volta na torre Eiffel, e aterrissar no ponto inicial, em trinta minutos. Para isso, um prêmio alto em dinheiro. O velho Santos Dumont conseguiu, porém, perto dos trintas minutos que foi acordado, ele ainda "enrolou" um pouco, para fazer uma provocação, e passar dos trintas minutos. Uma crítica ao desvio do foco do que realmente importava. Ficaram a discutir se ele merecia ganhar o prêmio ou não, por causa disso. Enquanto isso, ela ria do absurdo. Ele não estava competindo... Depois da discussão, ele finalmente recebeu o prêmio. O que um ganancioso faria com o prêmio? Iria torrá-lo em bordéis, carros luxuosos e mulheres para se exibir para a sociedade. Já ele, pegou metade do dinheiro e foi no banco para pagar dívidas de pessoas pobres que tinham bens penhorados. A outra metade, dividiu com um matemático que o ajudou em seus projetos e a outra parte eu não lembro bem. Pessoas assim, arrepiam-me. Depois, no final do documentário, vi que ele construiu uma casa em Petrópolis, no Rio de Janeiro, uma casa para uma pessoa só, como ele mesmo dizia. Gostava de estar só. Depois que começaram a usar sua invenção em guerras, isso o deprimiu. Ele não era mais "o mesmo". Anos depois, cometeu suicídio. Salve Santos Dumont... Com certeza, ele me compreenderia. E não é só isso. Na época em que ele estava a desenvolver seus projetos, surgiu um boato de que, se não me engano, dois americanos tinha 'inventado' o avião antes dele, já que Alberto já estava avançado em seus projetos. Este, o que me impressionou, longe de sua vaidade, em vez de "bater o pé" e lutar por esse "troféu", apenas disse: "se eles dizem isso, quem sou eu para dizer o contrário?... Para mim, não importa... O que importa é que 'a coisa' seja desenvolvida". Desse dia em diante, passei, não só a admirar ainda mais esse "cabra", e sim, a amá-lo.
           Voltando à minha viagem, pés no chão, mas voando tanto quanto um avião, passa um helicóptero... Esse sim, eu tenho medo, Deus me livre, debaixo de uma chuva dessas. Apenas acompanho esse objeto voador que se vai, com suas luzes piscando. Lembrei-me também que Leonardo da Vinci já havia desenvolvido os primeiros traços de uma hélice que seria capaz de levantar um peso a uma velocidade "x" de rotação. Olho o velho Monza em minha frente... O tempo passa... Quantos séculos a passear pela minha cabeça, em apenas um cigarro e uma dose de cachaça... Enquanto isso, enquanto o tempo passava, a chuva ia diminuindo. Ao meu lado, as conversas continuavam e, dentro do bar, ao levar meu copo vazio, as pessoas cambaleavam e falavam alto. Divertia-me... Agradeci ao dono do bar, e vim para casa... Correndo.. Não da chuva, esta já não molhava tanto... Mas para poder escrever tantas ideias que passavam pela minha cabeça enquanto permaneci alguns minutos ali. Fantástico... Agora, vou parar, antes que o mercado feche, para comprar meu vinho e continuar minha viagem, eu e minha solidão. A noite será longa, uma noite de amor verdadeiro... Depois do vinho, quem sabe outra viagem não surja... Por enquanto, é isso... Que venha a vida... Nenhum sentimento de culpa, e nenhuma moral, e nenhuma opinião sem conhecimento de causa,  vai me parar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário