sábado, 14 de maio de 2016

            Perder uma pessoa querida, bem nesse momento de viagens tão longínquas, minhas, minha cabeça parecendo louca, sem cabeça, sem saber se vai suportar o próximo segundo, desconfiado do que vai acontecer, por receio da sensibilidade não se dar com o fato, de tão sensível que está. Aí vem mais um fato, para botar tempero, bem temperado, nesse tempo de mistura de dor, de alegria, de angústia, de satisfação, de indisposição, de serenidade, de desespero... Ah, esse tempo de aprendizado, com professores tão duros, severos, amorosos, sem meias explicações, sem meias verdades, precisos, aulas sem hora marcada, provas duríssimas, a média lá em cima, acima do teto, para enxergar tudo lá embaixo... Veio o fato. Uma pessoa querida que vai. Deixando-nos aquela ferida, de peito apertado, todo partido, fatiado, o filé da dor. Tinha o coração tão bom, que cuidava tão bem de mim, que peguei fama de ser o protegido dela, numa família que não era minha, na casa vizinha. Em tempos de festa, a casa lotada de gente, e ela nunca deixava. Suas preocupações. Seus cuidados. Nunca leu Nietzsche, nunca leu Pessoa, nunca leu Dostoievski, e executou, como poucos, o amor. E tive o privilégio de ser testemunha, eu, o de fora. Ela me enxergava, eu enxergava que ela me enxergava... como quase ninguém. Bem na coisa que mais me interessa: no que não precisa, nem é possível, enxergar. A primeira pessoa, na noite de lançamento do meu livro, a se lançar para pegar uma dedicatória, que fiz com o tamanho do carinho que lhe devia, se essas coisas fossem comparáveis. Com 20 anos, 25, o cuidado era o mesmo. Ia lá de vez em quando, já não era mais vizinho, dormia lá, e, com ela, não tinha de vez em quando. Separava minha comida, porque sabia que ia chegar bêbado da rua, de madrugada, e eu ia acordar tarde. Separava o que eu gostava. Brigava comigo, sem brigar, com a mesma doçura de ser. Quando a via com raiva, as raras vezes, nem parecia ter raiva. Vinha me contar bobagens, só para a gente rir... Só. Quando eu saía com a roupa um pouco amassada, perguntava pra onde eu ia daquele jeito, pra eu dar a camisa pra ela passar. Eu dizia que não, que não ia dar esse trabalho para ela. Qualquer coisa, eu mesmo passava. Ela insistia. E ela brigava com tanta doçura, e fazia com tanto amor, que seu pedido era uma ordem. Rebeldia seria não aceitar. Tantas coisas, quantas coisas eu poderia escrever, quantos poemas de amor aqui contido não estão? Eu, o de fora. E, agora, a dor bate lá dentro. Mas a vida continua. A minha. E ela, que se foi, deixou um legado que procuro e quase não acho, em tantos lugares que já passei. Há outros seres, é claro, bem poucos, é verdade. Mas nunca mais ela......... Exatamente ela.

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