Depois
de trabalhar doze horas, praticamente ininterruptas, e ajudar a limpar o
quiosque e fechar todas as mesas e cadeiras, às 6:00h, nada de ir para o hostel
dormir. Andando pelo calçadão do Leme, em direção à Copacabana, pessoas já
andavam pra lá e pra cá, ou corriam, para seu passeio matinal ou para seu
exercício do dia... Nós, eu e meu amigo poeta, companheiro de trabalho nessa
noite, longe de estarmos preocupados com a nossa saúde, pelo menos naquele
momento, sentamos em outro quiosque para tomarmos a saideira. E a conversa foi
ficando tão boa, que esqueci todo o meu cansaço, tanto dessa noite, como das
outras duas mal dormidas. Depois, ainda chegou um cidadão, de São Paulo, que
estava no evento em que trabalhamos, e sentou com a gente... Ficamos até quase
13:00h. À essa altura, estávamos em Copacabana e cada um seguiu seu rumo. Eu,
que mal tinha acabado de chegar na cidade, que mal sabia como voltar para casa,
saí andando, sozinho, pelo calçadão, para depois entrar pelas ruas do Rio, e
procurar lembrar o caminho que passei poucas vezes. Perdi-me um pouco, mas,
perguntando, me achei.
Finalmente,
descansar. Já ouvi falar que, quando dormimos, nosso cérebro meio que arruma a
casa lá dentro, fixa o que você aprendeu durante o dia e, com ar de
brincadeira, pensei que meu cérebro ia ter muuuita coisa para arrumar.
Finalmente, depois dessas experiências, um lugar novo, um domingo totalmente
diferente de todos os domingos que já vivi (sem tirar a beleza de outros
domingos que vivi, igualmente belos... Apenas mais um diferente), fui dormir.
Acordei à noite e, finalmente, fui explorar o hostel. No quarto que eu estava
hospedado, quatro camas, sendo todas beliche. Em duas camas na parte de baixo,
dois sujeitos de Mato Grosso (que não me lembro se é do sul), militares,
estavam passeando. Eu estava dormindo em uma dessas, na parte de cima e, ao meu
lado, um chileno de Santiago, também na cama de cima. Em outra, uma espanhola
na cama de baixo, e um sujeito na parte de cima, que foi embora logo no outro
dia que cheguei e não deu tempo para conversar com ele. E na última, apenas uma
chilena, da cidade de Molina, dormia na parte de baixo.
O
hostel fica no bairro de Botafogo, há uns 25/30 min a pé, da praia. Na rua
Álvaro Ramos, tem uma travessa, uma rua estreita, com casas e alguns prédios
pequenos e, no final dela, a escada para o hostel. E não é uma escadinha
qualquer. Eram uns vinte degraus e degraus um pouco acima do tamanho padrão das
casas. Isso, para chegar, apenas, na recepção. O prédio se estendia para cima,
já que o final dessa rua era, justamente, um morro (não necessariamente uma
favela), o que dava uma puta vista lá de cima, inclusive, dava para ver o Cristo
de lá. Da recepção até os quartos, posso calcular, mais ou menos, uns trinta
degraus. Na parte mais alta, depois de explorado o local, encontrei um sofá e sentei-me,
quase deitado, sozinho, com o livro “Os Miseráveis”, de Victor Hugo e continuei
minha leitura, iniciada durante a viagem, dentro do ônibus. A cada página,
aberturas mágicas dentro de mim. Dentro desse contexto todo, onde era tudo novo
e, misturado com a dor que de vez em quando ainda batia (mas já bem menos), eu
sentia transformações preciosas, lindas de sentir. As cores pareciam mais coloridas,
a visão que eu tinha lá de cima, de vários prédios e as luzes acesas de uma favela,
além do Cristo, banhado por uma luz lilás, já que era noite, tudo aquilo
fazia-me sorrir sem parar, por dentro e por fora. E o livro trouxe-me muitas
coisas que eu queria que chegasse em mim, palavras que me tocavam e que eu não
sabia onde estava exatamente... E foi chegando. O que seria de mim sem os
livros, já que, ao meu redor, estão tão preocupados com outras coisas? Como eu
estava me sentindo bem, que sensações dessa noite, que dia para entrar para a
história da minha vida... Como não correr riscos? Sem isso, nada disso iria acontecer...
Pelo menos comigo, eu preciso disso.
Não
demorou muito tempo, fui dormir, cedo, ainda tinha sono para “pagar”. Ainda
estava cansado e foi o que eu fiz até o outro dia, segunda-feira. À tarde,
encontrei novamente meu amigo loucão poeta, para conversamos sobre o que iríamos
fazer no outro dia, para vendermos nossos livros. Levamos o violão, fizemos um
som na praia, até o sol se despedir da gente por mais um dia e dar lugar para a
lua, linda, surgir para nós. Ele foi trabalhar, eu voltei para o hostel, dessa
vez já sem me perder.
Estava
no quarto lendo meu livro, quando a chilena chegou e começamos a conversar. Fiz
várias perguntas a respeito do Chile, quis entender também um pouco do contexto
da vida dela e, depois, já com outras pessoas no quarto, ela tocou violão,
músicas chilenas, para ampliar meus horizontes. Ali, ao vivo e à cores, de
forma amadora, do jeito que eu gosto... Tocou três músicas e depois cada um foi
seguir o seu caminho. Preparei minhas coisas para a terça-feira, li mais um
pouco, lá em cima, e depois fui dormir... Em paz... Uma paz fudida, diga-se de
passagem. Meu espírito só sorria por dentro... Se acaso uma lágrima aparecesse,
de vez em quando, agora já era bem de vez em quando mesmo, como apareceu, era
coisa de minha cabeça, tão difícil de controlar, todos nós sabemos. Mas isso já
nem era problema, o tempo já estava tratando disso. O que, de fato, importava,
eram essas portas que eram abertas dentro de mim. Na escuridão das profundezas,
eu via luzes, brilhando, chamando-me para a vida.
Acordei,
peguei minha mochila e meu violão, e fui encontrar o poeta na praia. Ele levou
uma mesinha, que ficava praticamente no chão, um pano para estendermos nossos
livros, seu violão, uma cadeira de praia e um caixote, daqueles de fruta, de
feira. Era nossa sala de estar, como ele batizou. Enquanto os passantes
passeavam, tocávamos violão e gaita, com o chapéu no chão. Em alguns momentos,
ele se levantava e recitava poesias nossas, para as pessoas que passavam... e
riam... ou estranhavam... ou ignoravam. Nós, apenas, ríamos... Sem estranhar
nada disso. Apenas, nos divertíamos. Estava faltando alguma coisa, pensei.
Então saí para ir ao mercado, comprei um litro de cachaça (a mais barata,
claro) e um refrigerante de 2 litros. Quando voltei, ele tinha vendido um livro
seu para uma senhora, que aproximou-se toda simpática, da nossa simpática sala
de estar, segundo ele me contou. Era o primeiro livro vendido do dia.
Mais
adiante, passa um sujeito, só de short, fazendo sua corrida matinal e para para
nos cumprimentar. Antes de sair, disse que voltava e, meio sem jeito, falou
para o meu amigo que ele era muito bonito. Ele sorriu um pouco tímido, mas só
pela surpresa. Acabamos rindo por diversão mais que qualquer outra coisa,
depois que ele foi embora. Enquanto o álcool subia às nossas cabeças,
brindávamos aquelas doses cavalares de vida. E ali, nos divertindo, ficamos
umas duas horas. Saldo: um livro vendido.
Caminhamos
mais um pouco, fomos montar nossa sala em outro lugar. Já eram quase 14:00h e
nosso almoço foi apenas um pacote de biscoito, ou de bolacha, como preferirem.
Claro, sempre que sentamos com um violão em lugares assim, surgem uns malucos,
dos mais variados tipos. Um, parecia Raul Seixas e tocou umas músicas suas no
violão, às vezes babando, mas tava lindo de ver. Não tinha como não rir das
suas letras e, ao mesmo tempo, do seu jeito engraçado de falar. Outros pararam
também para trocar idéias, outros artistas de rua, como um que fazia o Charlie
Chaplin há quatro anos pelo calçadão do Rio. E enquanto íamos para esse outro
lugar, encontramos o sujeito que fazia seu cooper, que tinha prometido voltar,
e paramos para conversar um pouco. Trocamos algumas palavras, e ele levou um
livro de cada um de nós. E nas duas horas que ficamos parados nesse outro
ponto, apenas dois livros meus, o de frases, o “140 caracteres”, foram vendidos.
Antes, para o sujeito interessado em meu amigo, tinha vendido o livro “Clarice,
minha menina”. Umas 15:30h, arrumamos nossas coisas, meu amigo tinha que trabalhar
, e fomos embora.
“Vida
louca, vida... Vida breve... Já que eu não posso te levar, quero que você me
leve...” Não tenho noção de como encaram essas minhas atitudes, de sair assim
de repente para um lugar, ou de viajar com uma Kombi, como fiz ano passado, de
largar o Banco, emprego concursado... Não sei. E nem me importa saber. A única
coisa importante, a única coisa que eu busco nessa vida, é, justamente, viver.
E ao chegar no hostel e ir lá para cima mais uma vez, no ponto mais alto,
acender um cigarro e ficar divagando sobre esses poucos dias no Rio, posso
garantir que estou fazendo isso muito bem. Meu espírito sorri cada vez mais.
Obviamente, eu também. E quem vai me dizer o que eu devo fazer? Quantas vezes
já trocaste o certo pelo duvidoso, em busca de uma felicidade maior? Teve
coragem, ou se conformou com seu medo e sua segurança? Quantas vezes você
deixou a vida entrar, livre, sem nada para interceptar essa beleza, esse
fenômeno da natureza que ninguém sabe explicar para “que serve”, finalmente?
Enquanto isso, vou seguindo meu caminho, ouvindo a voz do meu coração e só
tenho uma coisa para dizer: apesar das dúvidas e da dor que esse caminho exige,
muitas vezes gigantes e profundas, nada mais belo do que levantar vela e deixar
que o curso da natureza me leve, assim como o mar leva o barco na direção que o
vento e a correnteza apontar. Se vai vir tempestades? Tem nada não. Quanto mais
ando, mais estou preparado para elas. E, se naufragar, também estou mais
preparado para não me afogar. Agora, viver indo e voltando todos os dias para o
mesmo lugar, obedecendo aos abusos dos patrões (abusos sim), por um salário que
não vale o tanto de suor derramado durante o mês trabalhado, isso sim,
mataria-me sufocado. Morreria afogado, e o que é pior: estando fora do mar. Para
ganhar dinheiro, tenho minha própria força e é com ela que eu vou correr atrás...
Sei que a vida não é brincadeira, mas eu continuarei brincando de viver, afinal
de contas, ela é uma só.
E,
enquanto correm pra lá e pra cá, sem sair do lugar (falo interiormente,
principalmente), eu seguirei seguindo segundo minha alma.
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