sábado, 17 de agosto de 2013

Meu caríssimo Campos de Carvalho,

                Quem diria que, depois de tanto tempo sem te escrever, eu iria retornar a enviar-lhes cartas, mesmo que nunca tenha te enviado nenhuma antes? Afinal de contas, você está morto. Mas, vira e mexe, pego-me relendo as velhas palavras loucas, filosóficas, poéticas, bêbadas, sem sentindo nenhum, a não ser um sentido só nosso, endereçadas a você, meu melhor amigo, sim, isso mesmo, um sujeito falecido, respondendo a você que está se perguntando exatamente isso agora. Outro dia, meus olhos encheram de lágrimas, e peguei a me perguntar: Onde estará meu amigo? Sim, claro, você ainda está no mesmo lugar (ou não), que eu nem sei onde é. Mas imaginei isso ser loucura de minha cabeça, onde já se viu, ser amigo de um morto (Uma vez ainda vai... Mas duas?)... “Eu não sou louco, eu não sou louco”, tentava eu convencer a mim mesmo e, ainda bem, foi em vão.
                Fato é que, na minha solidão, no meu quarto, agora há pouco (falta pouco para eu transformar esses pouquíssimos metros quadrados em um hospício, se já não o é, de um paciente só, por que não?, o quarto é meu, faço dele o que quiser), estava eu a derramar lágrimas (mais uma vez) por alguém, que eu não sabia quem era, faz tempo que choro por alguém que não sei quem é, talvez seja por mim mesmo, vai saber, quando lembrei-me do dia que te conheci. Por que será? Aí já foge às minhas forças responder, nem é isso que importa. Mas encantou-me o fato de, ao lembrar desse dia, meus pelos anunciarem o quanto essa memória ainda está viva dentro de mim. Lembrei-me logo das velhas cartas, tão prazerosamente escritas (Agora lembro-me bem porque deixei de te escrever, elas estavam ficando doloridas demais, e fiquei com receio de você morrer, ou adiantar sua morte, por ler tanta dor, dado que você tem uma queda por essas coisas, pelo menos foi a impressão que me causaste, mesmo estando morto) e fui para o computador com uma missão mais importante do que capturar o pior dos terroristas do planeta Terra: sentei em minha cama, de frente para o monitor, no meu hospício (acabo de transformá-lo, definitivamente, e vai ter seu nome), e procurei seu livro “A Lua Vem da Ásia”. Ao levantar a cabeça e olhar pela minha janela, vejo a lua em minha frente, que não sei se veio da Ásia, confesso, dado a, tanto quanto você, não ter sido bom em geografia, mas para um louco solitário, isso é coincidência o suficiente para enganar meu cérebro e encher, mais uma vez (Puta que pariu), mais uma vez lembrando de você, meus olhos de lágrimas. Logo comecei a devorar seu livro, o primeiro que li, o que me apresentou a você. Não sei se você lembra, faz tanto tempo, mas faço questão de relembrar como foi que cheguei até esse seu livro, até mesmo porque não tenho mais sobre o que falar, não tenho sono (como nunca tivemos) e preciso conversar com alguém... Suponho ter tempo de sobra para ler essas inúteis palavras de uma loucura um tanto útil (pelo menos para mim... E isso basta... Como seus livros foram pra você, e para mim também... A sintonia).

                Uma hora da manhã, terça-feira, chego à pensão que morava em São Paulo, quando me deparo com um novo colega de quarto. Em menos de cinco minutos, parecíamos amigos há mais de um século, visto que ele era artista, e eu tenho uma queda abismal por esses loucos, até arrisco uns rabiscos e uns acordes também, não por dom, mas para homenageá-los, sobretudo. Eu ia trabalhar no outro dia e já estava um tanto bêbado, mas a conversa foi tão interessante, que só fui dormir às 4:00h. No meio dessa conversa, eis que surge seu nome, meu querido amigo, sabes bem que é sincera a minha felicidade ao lembrar desse dia tão importante em minha vida, por isso faço questão de rescrevê-la.
                O já meu amigo, a essa altura há mais de dois séculos, ator, encenou um número justamente de um trecho desse livro seu, A Lua Vem da Ásia. Ele tinha mencionado seu nome antes, mas eu não o conhecia, passou batido. Mas quando ele acabou o número, fiz questão de perguntar e, sobretudo, anotar: como é mesmo o nome desse cara? Sim, meu caro, era você. Encantou-me tanto, que no outro dia fui à biblioteca atrás desse livro seu. Encantou-me mais ainda, depois que acabei de lê-lo, que fui à livraria comprar tudo que você tivesse escrito. E eis que volto a te escrever, faz tanto tempo, e relendo seu livro, posso sentir o tamanho da saudade. Meu querido amigo, como sua imaginação vai longe, mais longe que a lua, muito mais, e com que habilidade de sentir e de fazer sorrir. Que profundidade. Que humano. Mesmo depois que deixei de te escrever, a gente sempre soube: nunca deixamos de ser amigos. Era só uma questão de tempo. Tive que fazer umas loucuras por aqui, andei muito ocupado: saí do meu emprego concursado, comprei uma Kombi, pintei poesia por toda sua lataria, além de um sorrisão, viajei por seis meses e acabei de escrever um livro sobre essa viagem (tão interior, quanto exterior)... Você pode imaginar, ou pode até ter visto, vai saber, o trabalho que deu. Eis que, interno-me novamente no meu quarto, por conta própria, eu mesmo me acusei de está em estado normal, pelo fato de não ser normal do jeito deles, até eu bolar um jeito de fugir novamente, e voltar a ser livre. Na minha solidão, paro e penso em um amigo para escrever o que gostaria de escrever numa carta: mais uma vez, pensei em você. Com o perdão a todos os meus amigos vivos, amo todos vocês, mas é que você, simplesmente, é você... Tem algo da sua loucura, da sua angústia, dos seus momentos insones, presentes em mim... Onde já se viu escrever carta para um morto? O que tem, você que já escreveu carta para si mesmo, fora todo o resto, tão louco quanto?... Que saudade de você... Que saudade de escrever para você... Prometo voltar logo com outras notícias do meu pequeno hospício, e do hospício lá fora.

Forte abraço (daqueles devagar para não desmanchar os ossos, é só a força da expressão),

A.A.

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