JANEIRO
Mais
um ano virou e eu já estava decidido: trocar o certo pelo duvidoso. Não
tinha mais dúvidas: a vida, ao menos para mim, tinha que ser muito mais que
acordar no mesmo horário todos os dias, pegar ônibus lotados e engarrafamentos...
Eu precisava, mais do que nunca, de mim. Nesse mês, anunciei minha demissão do
meu emprego seguro, concursado. Por isso, muitos colegas de trabalho, espantados,
me perguntaram:
- E vai fazer o que quando sair daqui?
- Vou comprar uma Kombi e cair na estrada.
Alguns
não acreditaram...
E eu adoro quando é assim.
FEVEREIRO
Último
dia trabalhado... Liberdade, mais de três anos depois... Mudanças... Mais um
ciclo acabava. São Paulo, cidade de amor e ódio, da diversidade, do colorido,
ainda que em preto e branco, chegou a hora do adeus. De volta para Aracaju.
MARÇO
Mês
que eu conheci e casei com minha Clarice... Minha sede de viver transbordava e
meu medo de morrer vivo, respirando, me preocupava... Eu precisava viajar.
E vai ralando
o dia inteiro
A vida
escorre pelo ralo
Vai escorrendo
pelos dedos
Que vida
rala,
isso me deixa
adoentado
Não... Não
vou ficar parado...
Não, não sou
eu que sou amalucado
Vou viajar...
Eu preciso
respirar
ABRIL
Era
uma sexta-feira 13 quando Thiago, Clarice e eu rumamos para o desconhecido. O
coração batia forte, mas tão forte, que parecia querer me dizer: “nessa
velocidade, quero ver você dizer que isso não é viver”... Sim, era... E os
arrepios a cada quilômetro rodado, a cada lugar novo que conhecia, a cada pessoa
interessante que cruzava nossos caminhos, mostravam-me que meu coração não
mentia para mim...
MAIO E JUNHO
De
volta a São Paulo, sob outro contexto, e em vez dos ônibus lotados, eu tinha minha
Clarice. Engarrafamento? Só se fosse de ideias... Nesse mês teve a virada
cultural, inesquecível, rendeu até matéria na internet. Pessoas também
inesquecíveis... E os velhos e bons amigos, todos com a alma transbordando,
implorando por vida de verdade...
JULHO
No
início do mês, a FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty). De São Paulo
até lá, serras e paisagens impossíveis de descrever... Entre uma subida e
outra, entre uma descida e outra, Clarice às vezes ia na primeira marcha, o
marzão lá embaixo, as cidades pequenas, parecia que voávamos... E, com certeza,
nós voávamos. E lá em Paraty, o voo continuou.
De
volta a São Paulo, mudanças na viagem: agora eu iria seguir sozinho. Precisava
acelerar ainda mais meu coração acelerado... Se é para viver, que seja o mais
intenso possível. No final do mês, Clarice e eu estávamos na mágica São Thomé
das Letras, sul de Minas... Um dos lugares mais foda que já fui até hoje... Lá
eu me sentia em casa... Lá meu coração nem precisava andar a 100 Km/h para eu
respirar em paz... Lá era a calma das coisas que me acalmava... Lá nunca vi
tanta alma escancarada...
AGOSTO
Mais
uma vez em São Paulo, mês do meu aniversário. Fui comemorar na Praça da Sé,
junto com os “maluco beleza”, já que Raulzito morreu em 21 de agosto, data que
eu nasci. E foi uma festa do caralho.
Já havia decidido voltar para
Sergipe, escrever um livro e decidir depois o que fazer. Dia 23, eu estava
pegando a estrada novamente. Agora seriam 2.200 Km, só Clarice e eu...
No
segundo dia de viagem, depois de 700 Km rodados, depois de parar em vários
lugares até chegar ao meu destino do dia, no momento que eu ia guardar o carro,
ele não ligou. Exatamente na frente da pousada que eu já tinha acertado para
dormir. Não tinha lugar melhor para dar problema...
Um dia, passeando pelas ruas de
Campos dos Goytacazes enquanto esperava o conserto do carro que durou cinco dias, olhando cada janela, cada praça, cada casa, cada prédio,
eu me imaginei morando ali, até que me perguntei: Por que não?
SETEMBRO
Várias
coincidências fizeram-me ter certeza: ali era a nossa lua de mel, Clarice e eu.
Apesar dos problemas, dos gastos além do que eu tinha em minha conta, tive que
fazer um empréstimo, tudo estava lindo, tudo estava em seu lugar. Ainda tentei
arranjar emprego lá para ficar, mas não era pra ser. Ainda fiz uma mudança de
uma amiga de Macaé, no RJ para Cachoeiro de Itapemirim, no ES. Foi um mês
mágico e, antes que ele acabasse, peguei a estrada novamente.
Já próximo de sair de Vitória, no
ES, em pleno trânsito intenso, o cabo da embreagem se rompe. Problema? Que
nada... Diversão... Passado o sufoco, olho para o outro lado da avenida, só
vejo loja de Auto Peças e, a oficina que eu precisava, ficava por ali por
trás... Dava para ficar com raiva?
OUTUBRO
Até
o último segundo da viagem, literalmente o último segundo, teve coincidências,
que se ligavam com as que aconteceram desde o início de tudo. Agora eu tinha um
objetivo, apesar de que eu só cumpriria se viesse de uma forma natural o que,
ainda bem, e não poderia ser diferente devido à leveza extrema do meu espírito,
aconteceu. Comecei a escrever o livro: Clarice,
minha menina.
NOVEMBRO
Terminei
de escrever o livro, depois de um mês inteiro e intenso. Foi trabalhoso, foi
cansativo, mas quando se há amor, seja como for, tudo é lindo... E foi!! Esse é
só o primeiro parágrafo do livro:
“Quando minha mãe estava grávida de mim, no
início da década de 80, jamais poderia imaginar que quando eu me debatia dentro
de sua barriga, às vezes com força, já era eu brigando pela minha liberdade. No
dia 21 de agosto, lá estava eu começando do zero isso que chamamos de vida e
que até hoje ninguém soube explicar de onde viemos, para onde vamos e para que
estamos aqui. Não chorei... E logo me deram uns tapas, que é para mostrar como
funcionam as coisas por aqui.
O parto
A porta
Aberta
A vida”
DEZEMBRO
Para
fechar, vou passar a virada do ano com meus velhos amigos, de infância, da
adolescência, a mesma galera que estava ao meu lado quando toda essa viagem
começou. Sim, começou há uns 15 anos atrás, essas coisas não acontecem de uma
hora para outra. Destino: Mangue Seco, Bahia. Há uns cinco anos atrás, também
em uma virada de ano, eu chorava sem parar, sem conseguir me conter e eu já
sabia, eu dizia: era algo grande se transformando dentro de mim. Naquele ano,
jamais poderia imaginar que seria tudo tão lindo assim, que eu iria chegar onde
cheguei... E vai ser lá que vou brindar esse ano mágico que passou, e não que
vai acabar lá, a viagem continua, é muito mais interior que exterior, é só mais
uma comemoração de mais degraus construídos... E os degraus desse ano foram fodas!!
Lá
foi sempre um lugar que me salvou, que quando voltava de lá, quando morava em
Sergipe ainda, voltava com minha alma limpa, leve, tranquila demais... Quando
parecia que ia me faltar o ar, lá eu conseguia respirar em paz, calmamente,
assim como em São Thomé das Letras. Agora, 2013 vem aí e não tenho pressa:
aprendi a viver um dia de cada vez. Na minha bagagem, cada vez maior, um item
que eu tanto queria: um apego grande ao desapego material.