sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Lisa, a menina calada, a menina quieta, a menina marcada, a menina mirada. Irada e ilhada em silêncio. Era muito barulho lá fora para alguém conseguir ouvir o seu silêncio. Ela era o alvo preferido dos espertos, dos barulhentos, dos donos do pedaço. Um confronto certo: ela versus o mundo. Ela muda, eles murros, ela nada, eles murros, eles, uns nadas, ela versus o mundo.
            “Para toda tragédia, há um herói”, dizia em voz baixa. E não dizia mais nada. Ia embora calada, pensando no outro dia que ia chegar, que o tempo não dava trégua, que ela não conseguia mais agüentar, e por que agüentar? Ciente do inconsciente coletivo dos “mortos-vivos”, dizia, não tinha o que fazer. Morrer era o que ia doer menos, mesmo se juntasse a dor de seus familiares e amigos (estes, uns poucos). Diziam que ela era assim porque ela não acreditava em Deus e ela dizia que não acreditava em Deus por as coisas serem assim. E assim o tempo ia, impecável em seus segundos, seus passos certos, a dor certa de que o outro dia ia chegar. Olhou os pulsos, foi ao banheiro e sentou-se. Depois de chorar, sorriu e foi dormir.
            O despertador a desperta. Ela pega seu caderno e traz para perto. Anota uns versos. Faz o inverso. Cada agulhada em sua alma, uma linha de um poema para ir costurando seu coração. Um dia correu para os braços da mãe, a menina calada: “Mãe, tá doendo” – O que filha? – Meu coração. A mãe apenas sorriu e disse: isso passa. Mas não passou. Passou do ponto. Estragou. “Quando minha alma nasceu, foi horrível a dor do parto... E até hoje ela chora”. Foi tomar um banho. As lágrimas se misturavam com a água que caía do chuveiro. Mais um dia de terror: os espertos barulhentos donos do pedaço iam mexer com ela. Iam chamá-la de muda, só porque ela não sabia conversar sobre se dar bem em cima de ninguém. Uma estranha. Em um mundo de sempre alguém versus alguém, surgia ela versus o mundo. Surgia ela e seus versos. Calada. E seus versos gritando mais que o barulho, seja de carros, sirenes, buzinas ou o sorriso cínico dos espertos donos do pedaço.
            Chega a noite. Tranca-se em seu quarto. A esquina é o canto. Pega seu violão e canta. Um cristal barato (na moeda deles, é claro, de R$ 0,99) se despedaça numa canção, disputada com o barulho lá fora, que chega a estremecer a vidraça. Sozinha, chorando, assiste a notícia na TV: um louco sai atirando no colégio. Dor, revolta, sangue, mortes, desespero. Em meio a toda dor, a dor do rapaz. Um monstro. “Mas quem o criou?”, ela apenas perguntou. Pegou seu caderno de anotações e em um lá menor escreveu: “Chorei. Mas minhas lágrimas vão além. Todos os lados têm suas razões, o que acaba por acontecer uma tragédia. E eu no meio do tiroteio”.
Ele atirou nas crianças inocentes e ela, inocente, mesmo não sendo mais uma criança, atirou versos. Era ela versos o mundo.

2 comentários: