sábado, 24 de novembro de 2012


                Eu ainda era um leitor iniciante, não sabia ainda quem eram os grandes autores e, sobretudo, quem eram os meus autores preferidos, quando peguei  um dinheiro que juntei com o suor de minha mesada (brincadeiras à parte, eu tinha que abdicar de algumas coisas mesmo para poder sobrar alguma coisa), todo trocado, e fui em uma livraria pequena de Aracaju, hoje uma MegaStore, para comprar meu primeiro livro com o meu próprio dinheiro. Cheguei todo tímido, era um mundo novo para mim, e abri vários, escolhidos pela capa ou título, e li vários trechos dos mesmos. Indeciso entre uns dois ou três, já próximo de ir embora, eis que pego mais um e abro em uma página qualquer. Aquela primeira crônica me agradou muito. Depois, aleatoriamente, abri em outra página e li mais uma que me agradou mais ainda. Eram exatamente aquelas palavras, aqueles assuntos, e tratados daquela forma que eu queria ler e que até então eu não tinha descoberto. Não tive dúvida: eu já tinha escolhido o livro que ia levar.
                Comédia da Vida Privada, de Luís Fernando Veríssimo, era o livro. A ansiedade de chegar em casa, andando apressado, ansioso, com o livro nas mãos, cuidando como se fosse ouro, era grande. Bem mais tarde, em São Paulo, estava eu lendo uma crônica de Clarice Lispector relatando o sacrifício e as humilhações que ela teve que passar para pegar um livro emprestado que ela queria muito ler, mas que não tinha dinheiro para comprá-lo e senti exatamente a mesma sensação que ela descreveu lindamente quando voltava para casa, abraçada com o livro, também como se fosse ouro. Naquele instante, voltei no tempo, ah, o poder das palavras. Como li em algum lugar, as palavras podem não mudar o mundo, mas podem mudar as pessoas e estas, sim, podem mudar o mundo. E é na infância que as coisas acontecem com uma pureza maior, uma pureza quase virgem e, por isso, muito marcantes. E ali era o início de minha infância como leitor assíduo.
                Todos os lugares que eu ia, ia com ele embaixo do braço. Quando estava com minha mãe quando ela ia no mercado ou em qualquer outro lugar, eu ficava no carro lendo ou levava onde pudesse ler. Levava também todos os dias para o colégio e, nos intervalos, ou durante a aula mesmo, eu me deliciava com aquelas crônicas em vez de sair da sala de aula, lá dentro agora era mais interessante, não era um colégio que me agradava. Nos pontos de ônibus, nas filas para pagar alguma conta, sem eu saber de nada, estava nascendo esse escrevedor de palavras, soltas, que às vezes nem sabe se é poema, letra de música, conto ou crônica... E muito menos que sabe escrever palavras difíceis, de dicionários, diferentes. Mesmo assim, humildemente, rabisco umas dores aqui e umas alegrias ali. E quem estava lá, no início de tudo, ensinando-me, minha infância literária, era esse cabra, o Luís. E toda falta de habilidade com as palavras minhas é de inteira responsabilidade do mesmo. O professor foi dos melhores que já li.
                Apesar de não ter sido o meu único mestre (são tantos), tocado pelo seu estado de saúde atual, finalmente escrevo essa história que tanto já contei por aí. Para uns podem até ser uma história simples, ou até mais uma história agradável, mas sem tanta importância. Para mim, não. Quase vinte anos depois, ainda o leio com o mesmo tesão desses primeiros dias  e se assim é, há amor e, quando escrevo, são histórias tocadas por esse sentimento que me fazem escrever. Além do que, independente da minha habilidade, o ser humano que se transformava e que hoje orgulha-me tanto, tem um toque de todos os meus mestres e ele foi o primeiro. E espero que, entre as palavras que ele por ventura venha dizer por estes dias, não diga a última, o adeus. Vai fazer muita falta, e não só para mim, tenho certeza absoluta. Ah, a beleza das palavras...

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